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Por que é possível tomar o padrão 2015-2016 como modelo para o entendimento da inflação brasileira esse ano

O risco de um mundo mais inflacionário pressionando a inflação industrial parece maior que o gerado pela fraqueza da atividade econômica e do mercado de trabalho

Recentemente o IBGE divulgou os números finais da inflação de 2021 e as notícias não foram animadoras. Em 2021 tivemos a maior inflação registrada desde 2015, fechando o ano em 10,1%, o que significa quase o dobro do teto da meta de inflação fixada para o período (5,25%). A inflação aumentou em incríveis 5,5 pontos percentuais com relação ao nível de 2020, maior variação nessa métrica desde os longínquos anos de 1998 e 1999, (aumento de 7,3 p.p.). O gráfico abaixo mostra o valor da inflação e a variação da mesma taxa nos últimos 10 anos e coloca esses números em perspectiva:

O aumento da inflação em 2021 aconteceu por diversos fatores[1] e acabou afetando a maioria dos itens do IPCA. Os gráficos abaixo mostram a evolução da inflação aberta nas categorias de análise usuais do BC. Podemos perceber o choque que tivemos em preços monitorados (grandes vilões: gasolina e energia elétrica) e produtos industriais (grandes vilões: automóveis), ainda que também existiram choques menores em alimentação e serviços.

O choque em monitorados e o nível que a inflação atingiu faz com que muitos comparem o momento atual com o vivido em 2015. Naquele ano de fato a inflação estourou com aumentos importantes justamente de energia elétrica e gasolina. Esses aumentos foram, em última instância, temporários, e em 2016 a inflação mostrou forte queda de 4,4 pontos percentuais, fechando o ano em 6,3%. Nessa comparação, o ano de 2022 seria equivalente ao ano de 2016, e veremos, portanto, uma forte queda na inflação nos próximos meses. De fato, as perspectivas de consenso para esse ano preveem um comportamento parecido com esse do passado: as projeções de inflação do último relatório Focus[2] apontam para queda de 5,0 p.p na inflação, fechado o ano em 5,1%, com monitorados subindo apenas 4,9%.

Sem dúvida é razoável imaginar que a inflação deve ser menor em 2022. De fato, o aumento observado em preços monitorados de 2021 não deve se repetir em 2022. Além disso, a política monetária foi ajustada ao longo dos últimos meses, passando de patamar expansionista para contracionista (como também ocorrera entre 2015 e 2016). O problema é que a analogia para por aí. Como os gráficos acima deixam claro, em 2021 tivemos grandes aumentos de preços dos bens industriais, o que não aconteceu em 2015. Esse fenômeno é claramente global; gráficos muito similares podem ser encontrados nas inflações dos EUA e da maior parte dos países da Europa. Isso sinaliza que a oferta de bens transacionáveis não conseguiu acompanhar a demanda pelos mesmos, que foi gerada pela recuperação da pandemia e estímulos para seu combate. Acredito ser razoável esperarmos menor inflação nesse grupo para o futuro próximo (o argumento padrão é que esse grupo sofreu com quebras de cadeia produtivas que não devem se repetir), mas a situação inflacionária do mundo torna isso um risco. Ao contrário do Banco Central brasileiro, os bancos centrais dos países desenvolvidos foram bem mais tímidos na retirada dos estímulos providos durante a pandemia, e o movimento de pressão em preços industriais pode levar mais tempo que o previsto para se realizar. De alguma forma, o mesmo acontece com o mercado de commodities internacionais (não à toa os preços do petróleo seguem renovando altas). Nada disso era tão complicado em 2016.

Por outro lado, motivos internos parecem ajudar o processo de queda da inflação quando comparado a 2016. Em 2015 os preços dos serviços – item tradicionalmente mais lento para se movimentar na inflação – vinham de um patamar bem alto, fruto de uma situação de mercado de trabalho favorável para a recomposição de preços em anos anteriores. A economia entrou em recessão em meados de 2014 e esses preços começaram a cair, mas vindos de patamares elevados. Em 2021 a situação desses preços é bem diferente; não só eles cresceram bem menos como o mercado de trabalho opera em patamares de desemprego bem mais altos e variação da renda bem menores que no passado, como o gráfico abaixo deixa claro. Isso deve levar a um maior controle dos preços desses bens quando comparado com o movimento de 2015-2016:

No meio de similaridades e diferenças, acredito ser razoável tomar o padrão 2015-2016 como modelo para o entendimento da inflação brasileira esse ano. Ainda assim, mesmo em 2016 a redução inflacionária foi de 4,4 pontos percentuais. Se repetirmos esse resultado, a inflação deve fechar esse ano em 5,7%, valor acima do centro da meta (e do que o consenso acredita). Ao menos para mim, o risco de um mundo mais inflacionário pressionando a inflação industrial parece maior que o gerado pela fraqueza da atividade econômica e do mercado de trabalho, especialmente em um ano eleitoral gerado após anos de preços de serviços rodando abaixo da média da economia (ou seja, pressionando as margens das empresas desse setor) e em um país com a memória inflacionária (e inércia) do Brasil. Dessa forma, tenho dificuldades de ver um recuo tão forte da inflação quanto o visto pelo consenso de mercado, e acho que o risco de termos uma inflação acima de 6,0% é bem relevante. O processo de redução inflacionária deve ser multianual (vale frisar que em 2017 a inflação seguiu em queda de 3,3 pontos percentuais), e deve exigir alguns anos de resultados difíceis para a economia.


[1] Para listar alguns desses fatores, tivemos em 2021: forte recomposição de preços de commodities internacionais associada com depreciação cambial (o que não é usual), problemas climáticos importantes que afetaram os preços de energia elétrica e alimentação, algumas cadeias de produção internacionais funcionando de forma não usual levando à restrição de produção e consequente aumento de preços ao longo do ano (destaque para o setor automotivo) e recuperação da atividade econômica depois da queda gerada pela pandemia em 2020 (afetando os preços como um todo, mas em particular o setor de serviços). Como de costume, em anos onde a inflação fica acima da meta, o Banco Central publicou uma carta aberta ao ministro da Economia detalhando sua visão de porque a inflação subiu tanto e o que está sendo feito para controlar a mesma. Recomendo a leitura para os interessados em entender melhor esse fenômeno.

[2] Do dia 14/01/2022