Em julho, foram gerados 943 mil postos de trabalho nos EUA, número acima do esperado
Por William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities
PAYROLL E A DICOTOMIA DA POLÍTICA MONETÁRIA. Começo o artigo com o dado mais relevante da semana, divulgado hoje. O Payroll é um relatório mensal que visa medir a saúde do mercado de trabalho nos Estados Unidos. Ele consegue capturar a capacidade da economia do país de gerar empregos. E ganha ainda mais relevância num momento em que muito se fala sobre a retirada de estímulos monetários.
A grande questão atual na economia americana é: (i) se ela vai bem, não são mais necessários os estímulos monetários dados pelo FED. Em algum momento do futuro próximo, deveríamos ter aumento de juros; (ii) a economia americana vem desacelerando e os estímulos seguem sendo necessários.
O Payroll contrariou os números recentes e reforçou a leitura “i”, ou seja, a visão declarada, inclusive pelo senador Joe Mnunchin, de que o FED deve iniciar seu tapering pra já – tapering se refere à interrupção da compra de títulos pelo governo americano e ao enxugamento de liquidez existente no mercado.
Falando dos números, em julho foram gerados 943 mil postos de trabalho na economia americana, e a taxa de desemprego caiu de 5.9% para 5.4% – o mercado esperava a criação de 845 mil vagas e uma taxa em 5.7%. Ou seja, os dados foram melhores que o esperado.
Os números mostram que a economia americana segue em franca expansão, gerando mais empregos, em especial no importante segmento de lazer e hospitalidade (indústria hoteleira), que foi o destaque de contratações no mês – vide gráfico abaixo. As contratações do governo também chamaram atenção, com um acréscimo líquido de 240 mil empregos. A explicação reside no fato de que os governos estaduais e locais contribuíram com a maior parte desses ganhos, já que as universidades e outros distritos escolares públicos aumentaram seu quadro de funcionários antes do segundo semestre.
IMPACTO…
Dado bom é dado bom e dado ruim é melhor ainda?
O impacto de tais números foi imediato. Os juros de 10 anos reagiram, saltando mais de 5%, e como reflexo disso vimos uma discrepância de performance entre os índices, com o Dow Jones subindo – refletindo o fato de a economia estar crescendo, e os juros em alta, que ajudam o setor financeiro; em contrapartida, o Nasdaq caiu por conta do aumento dos juros e do impacto disso na percepção de valor das empresas de tecnologia.
Já deixo minha opinião aqui de que essa é uma visão de extremo curto prazo e nada garante que seguiremos vendo essa tônica no mercado. O que temos visto na economia americana é que “dado bom é dado bom e dado ruim é melhor ainda”. Sim, números fortes da economia são bons… E dados fracos geram a percepção de manutenção de incentivos monetários.
Não por acaso, vimos mais uma vez os índices americanos atingirem novas máximas.
MERCADO AMERICANO BARATO?
Saindo do macro e vindo para o micro, o que temos visto é uma safra de balanços trazendo números muito positivos. Até agora, mais de 340 empresas do índice S&P 500 divulgaram seus números; 89% delas bateram as estimativas de lucros, e com lucros crescendo 88% na média versus o 2T20. Você pode questionar a base fraca de comparação que foi o segundo trimestre de 2020, o qual foi fortemente impactado pelos lockdowns e pela pandemia. Ainda assim, são números muito fortes.
E o curioso é que esses números fortes fazem com que, mesmo com as altas recentes, o mercado americano não esteja mais caro. Deixe-me explicar com um exemplo simples. Vamos supor que o múltiplo de lucro (relação Preço da Ação/Lucro por ação) justo para uma determinada ação seja 20x – supondo que essa ação esteja negociada no mercado a US$20 e que seu último lucro tenha sido de US$1/ação. Quando essa empresa entrega um crescimento de, vamos supor, US$ 1.20/ação, mantendo-se o mesmo múltiplo de 20x, seu novo “preço-justo” seria de US$ 24 (US$ 1.2 multiplicado pelo múltiplo 20x). Ou seja, o fato de a empresa entregar um lucro maior faz com que seu preço considerado justo possa ser 20% maior.
Essa é a dinâmica que temos visto no mercado americano e o gráfico abaixo ilustra bem isso. O índice americano tem se valorizado, sem necessariamente ficar mais caro, quando analisamos pelo múltiplo preço/lucro.
Em outras palavras, dá até para dizer que o mercado americano foi ficando mais barato nos últimos meses, mesmo com as altas do índice S&P 500. Parece contra-intuitivo, mas o gráfico abaixo, do múltiplo P/L do S&P, ajuda a entender.
Para finalizar, vale um comentário sobre o dólar…
É RARO, MAS ACONTECE MUITO?
Numa semana na qual os índices americanos atingem máximas, a volatilidade se reduz e temos uma decisão de aumento de juros no Brasil, seria razoável supor uma desvalorização da moeda americana… O Real deveria se fortalecer…. Pois é, mas não foi o que aconteceu. Como sempre, o dólar seguiu forte contra a moeda brasileira. Esta adora pregar peças nos economistas (entre os quais me incluo).
A realidade é que, nos últimos dois meses, o risco associado ao Brasil vem aumentando, com mais e mais notícias ou análises chamando atenção para o elevado risco fiscal que vivemos e o constante flerte com políticas fiscais mais frouxas que beiram o populismo. Não à toa o CDS brasileiro (espécie de seguro contra o Brasil) veio subindo.
E como reflexo o dólar segue teimando em não cair.
Penso que o risco da criatividade estatal num ano eleitoral não pode ser desprezado e ajuda a explicar a resiliência da moeda americana. De forma prática, o que podemos aprender são duas lições básicas: (i) não vale a pena tentar adivinhar o movimento do câmbio; (ii) o investimento internacional dolarizado é uma necessidade.
Era isso pessoal, aquele abraço!!!
WILLIAM CASTRO ALVES