De tudo que podemos botar na mesa, o nosso tempo é a mais sagrada moeda, nossa divisa pessoal
Por Sérgio Bivar
O dinheiro, muitas vezes, é o principal fator que nos separa ou aproxima de algo. É por meio dele que o dever se converte em prazer. Dinheiro funciona, ainda, como variável para medir o valor do tempo: em dada proporção, tempo é dinheiro, assim como dinheiro é tempo.
Adão, reza a lenda, vivia no Paraíso até o dia em que conheceu o desejo. O desejo constitui a falta, e essa primeira falta nos abre o mundo da escassez. Desde então, valor e escassez andam juntos.
Nada banalmente copiável é tido como valoroso (ainda que extremamente útil). O mercado de arte, por exemplo, passou por grande crise existencial na era da reprodutibilidade técnica e da cultura de massa: a repetição deixou opaca a aura artística. Menos é mais, como se diz.
A escassez nos coloca em disputa e nos ameaça com a ideia de não podermos ter o que desejamos. No jogo do amor e sexo, o medo da perda é peça-chave, sendo a fidelidade (exclusividade) o grande prêmio e sacrifício – o valor supremo ao qual devemos nos submeter.
Na economia, para cobrir os déficits fiscais e puxar o crescimento, os países emitem moeda, expandem o crédito, e geram inflação. O desequilíbrio entre produção e oferta de moeda faz a última perder valor.
Em resposta a essa política, o mercado aderiu ao Bitcoin (e demais criptoativos), com sua inviolável mecânica de escassez e consequente reserva de valor. Depois de plenamente minerados, existirão não mais de 21 milhões de BTCs no mundo. O princípio de oferta finita do Bitcoin representa mais um ponto para a escassez.
Muito se fala de que, no futuro, haverá um momento em que a escassez será superada. Teremos abundância de energia elétrica (renovável), enorme eficiência com a internet das coisas e a economia do compartilhamento. Uma verdadeira mudança de paradigma para as ciências econômicas, cuja razão de ser é a alocação de recursos limitados.
Esses profetas esquecem, contudo, que a matéria-prima da vida é o tempo. E o nosso tempo, o tempo do sujeito, é sempre escasso, finito e jamais será plenamente suprido pelo tempo alheio. Com isso, nossa relação com a escassez vai além de qualquer conquista material.
O dinheiro nos tira do presente com promessas de outros tempos, nem sempre realizáveis. Dinheiro é potência, é domínio sobre o tempo alheio. Mas nem todo tempo se rende ao dinheiro. Nem todo tempo pode ser comprado. Compramos o tempo dos outros e dispomos da nossa finita e incerta reserva. Nosso tempo flui sempre numa única direção e cedo ou tarde se esgota. Nunca saberemos precisamente valorá-lo.
A convertibilidade entre tempo e dinheiro opera dentro de limites, pois uma hora vivida hoje não encontra equivalência na hora de algum outro tempo. E nenhuma soma monetária nos resguardará a vida eterna.
Cada minuto é único. Nossa liberdade (contingente) está emoldurada numa janela de tempo. E o dinheiro, sem dúvida, nos dá alguma mobilidade para agir dentro desse espaço.
O dinheiro é uma forma de linguagem, nos desloca para a esfera do simbólico e do entendimento. Nos leva para o tempo projetado, para o campo da abstração e da intenção. Nos leva para os mercados de futuros e passados firmados no papel. Nesse sentido, ele é fáustico, coloniza e avança sobre o tempo natural e impõe seu voraz projeto determinístico de quantificar, reduzir e se apropriar do mundo.
Trocas voluntárias não expressam equivalências, mas diferenças, e, quando realizadas exitosamente, geram valor para ambas as partes. A troca cria valor e o valor é sempre relativo. A troca dos excessos. Dou o que me sobra por aquilo que me falta.
Navegar pelo dinheiro é navegar pelo excesso e pela falta. É participar do mundo das trocas, onde quase tudo pode encontrar um preço. Mas de tudo que podemos botar na mesa, o nosso tempo é a mais sagrada moeda, nossa divisa pessoal. O presente é o único tempo que existe, é aquilo que nos é dado, aura e ouro, sem que haja valor outro íntegro o suficiente para substituí-lo.